Quando alguém se entrega de corpo e alma a um projecto de
vida são gerados produtos e subprodutos. Não raras vezes, o produto obtido não
é o desejado nem tão pouco reflecte o empenho e perfeccionismo que o protagonista
coloca na sua acção. Também não raras vezes são gerados subprodutos: matéria sentimental-e-experiêncistica
muitas vezes desprezada mas que é, na minha opinião, o bem mais valioso de todo
o processo.
Ainda que eu não passe de uma testemunhazita desta Viagem não
deixo de me envolver com os protagonistas e com eles partilhar alegrias e
tristezas. Pese embora, com o passar dos anos, tenha percebido que o meu espaço
sentimental, e até muitas das minhas ideias, vivem melhor em privacidade e reserva,
não consigo anular por completo o ímpeto da comunicação, sobretudo quando a
temática me apaixona e me envolve até ao tutano.
Consentido o ímpeto, quero relatar o enorme, gigante,
orgulho que sinto nos triatletas que estiveram envolvidos nesta qualificação para
Londres e também nos outros que, não estando directamente na luta pelos Jogos,
com eles trabalharam e os apoiaram.
O João Pereira não vai estar presente nos Jogos de Londres. Não
porque não mereça, porque não tenha qualidade, porque não tenha tido
oportunidades ou porque tenha acontecido algo de errado. Nada disso. O que lhe aconteceu
foi apenas desporto. Em luta directa com adversários super qualificados ganhou
umas vezes, perdeu outras, teve sorte numas, teve azar noutras, terminou no 39º
lugar do Ranking Olímpico mas não chegou. Tudo somado ele fica de fora. O
último qualificado para Londres está no lugar 70 mas a matemática é bem mais dura
quando há mais atletas de nível no mesmo país. Para que o país levasse 3 homens
a Londres ele teria de ter terminado no lugar 35 ou, se se preferir, bastaria teria de levado menos 38 segundos na última das 26 provas de qualificação em que participou.
O Pereira lutou como um gigante e fez-me babar de orgulho
por ele ser português e por ser um dos meus, dos nossos. E de todo o processo
há um subproduto de valor inestimável e que espero – com muita, muita
força - que ele consiga apreciar e desenvolver. O processo preservou a
personagem pura, o rapaz humilde mas concebeu um enorme atleta, um grande
campeão, uma força da natureza, um vulcão que a curto prazo nos vai dar muitas
alegrias.
A dificuldade e a intensidade do processo revelou ainda uma nova
vertente no grupo de trabalho. O Miguel Arraiolos abdicou das suas aspirações
(legítimas) no Europeu para ser o anjo da guarda do Bruno. Desempenhou o papel
enquanto as pernas aguentaram. Mas de facto, quando se vai com o Cancellara,
não há descanso nem quando se segue na roda…
Nessa mesma prova, o Duarte e o Silva colocaram-se na frente
do pelotão para o travar, anularam fugas, responderam a ataques e até a sua água
o Duarte deu ao Pereira porque o calor era muito e aquele motor V12 consume mais
que 2 bidons/40km.
Espero que nestas curtas pinceladas tenha conseguido fazer um
retrato digno da excelência que temos dentro de portas. Da minha parte,
estou-lhes grato pelas lições e cá continuarei a remar para ser digno da
companhia.
Venham agora 10 semanas de preparação para enfrentar uma prova duríssima. Aquela natação... vai andar tanto, tanto, tanto. No ciclismo vai ficar claro que não são precisas dificuldades de percurso para haver dificuldades para os atletas. E na corrida vão andar mais os que tiverem melhor estômago para digerir tudo o resto. Portugal vai lá ter talento e consistência. Atributos que podem não garantir medalhas (essas nem os Brownlee estão em posição de prometer) mas que garantem que as cores nacionais vão estar muito bem entregues e na briga. Isso de certeza!
Obrigado pessoal!